
Nada como, num dia qualquer e com tempo disponível, sair e ter o prazer de ir a uma livraria ou mesmo a um bom "sebo". Melhor ainda se a livraria em questão for do tipo que eu chamo de "multiuso", ou seja, aquelas em que encontramos não só livros, mas também CDs, DVDs, LPs (sim, eles voltaram!), um café aconchegante lá no canto, sofás, gente interessante e interessada em boas conversas. Para mim uma livraria "multiuso" sempre foi, sempre será, um "parque de diversões". É algo a se deliciar com calma, percorrer as estantes prediletas, olhar os lançamentos, novas publicações, novos e velhos autores, separar o joio do trigo. Sim, é preciso. Embora um espaço cultural, nem sempre o que encontramos nas prateleiras é exatamente algo que possa ser denominado cultura. Bem, mas hoje é minha primeira quarta feira, vou tentar deixar minha veia irônica um pouco de lado, ou ao menos tentar.
Cresci em um ambiente totalmente propício para gostar de leitura, de música, de conversa. Minha casa sempre teve inúmeros livros dos mais diversos estilos, que demonstravam a busca de meus pais pela cultura, mas também pela compreensão do incompreensível. E antes que me perguntem, não, nunca encontraram a resposta. Nem tampouco eu. Mas encontrei e continuo encontrando muito prazer na leitura diversificada. Os pontos de interrogação, que povoam a vida e a existência, penso, são a própria existência. Também havia na minha casa muitos LPs daqueles bolachões antigos, vinis pesados. Muita música clássica, MPB e jazz. Na medida em que fui crescendo e adolescendo fui não só descobrindo do que gostava mais, aprimorando o gosto, como também descobrindo coisas novas. O rock chegou na pré-adolescência, mas considero que de forma muito seletiva. Na antiga casa dos meus avós maternos e de duas tias, havia também a presença de um piano e um violão. Os ambientes ajudam a nos formar.
O paralelo que faço entre a descrição inicial da livraria, um ou vários passeios à livraria, e a minha casa da infância, bem como a casa dos meus avós paternos, é pela semelhança na disponibilidade de acesso à leitura, à musica, à boa conversa, ao café, às pessoas com conteúdo. Minha casa de hoje continua repleta de livros, CDs, LPs, DVDs e até algumas fitas cassete remanescentes. Aos poucos vou as convertendo para CDs. É puro prazer e não há necessidade que seja algo mais, mesmo me considerando um "eclético seletivo".
Tornei-me Engenheiro Civil, mas já dei bons esbarrões em outras áreas, tendo, por simples gosto, estudado idiomas e, por dois anos, Psicanálise. Meus primeiros escritos são antigos, mas não sei precisar com exatidão. Tenho certeza de que na adolescência eu já tentava fazer letras de músicas, já que tinha minha banda, já tocava bateria e arranhava um pouco de violão. Hoje em dia me considero baterista amador, e continuo arranhando violão. Já me aventurei pelo piano, mas o máximo que faço é tirar melodias básicas, especialmente com a mão direita e em dó maior, na maior parte das vezes, o que simplifica o fato de não ter que utilizar as "temidas" teclas pretas dos bemóis e sustenidos. Instrumentos também são diversão para mim, brinquedos de hoje em dia.
De volta à livraria, entro com olhar atento. Logo de cara me deparo com lançamentos e já me atiro às prateleiras com um olhar curioso e crítico, tentando entender o que fez cada livro e cada autor chegar ali, em lugar tão privilegiado. Competência, sem dúvida, mas há a competência da escrita e a competência do marketing. Ótimo quando ambas se encontram, mas em muitos casos só vejo a competência do marketing aliado ao oportunismo do poder de fisgar leitores em busca da leitura fácil e superficial, de livros onde está escrito o que o lado frágil e desamparado das pessoas busca. Autoajuda e afins, oportunistas surfistinhas, aquelas e aqueles que usam túmulos como degraus e tantas outras coisas que, de alguma forma, "contaminam" aquele ambiente que eu gostaria que não fosse assim. Mas acaba tendo um lado interessante esta observação. Vejo pessoas ávidas a folhear de forma inquieta, amedrontada e esperançosa as mais "novas" criações no mundo da autoajuda. Quando olho as pessoas que têm em mãos estas obras, vejo a busca humana pelo preenchimento do desamparo natural humano, em busca da "salvação fácil", de "fórmulas milagrosas" dos "segredos" contidos. Em contraponto faço a observação dos outros leitores, aqueles que empunham com naturalidade e serenidade livros da boa literatura, como um bom Saramago, Pessoa, Chico Buarque, Machado de Assis, Florbela Espanca, Garcia Marquez e tantos outros. Estas pessoas olham para estes livros, que virão a ler ou já leram, como quem olha pra dentro de si, como quem olha com profundidade tanto o mundo quanto os seres humanos. São pensantes, de uma inquietude mais serena. A turma lá da autoajuda busca nos livros exatamente o oposto, o que vem de fora e vem "de graça". Livros de autoajuda, costumo ironizar, e concordo comigo totalmente, realmente são de autoajuda: ajudam a seus autores. Há melhor definição, então. Sim, são autoajuda e levam fortuna a muitos oportunistas. Dificilmente um bom escritor, de literatura de verdade, alcança a fortuna fácil (suja?) dos livros de autoajuda. Não posso me esquecer, também, dos oportunismos da literatura superficial dos novos vampiros, dos mágicos adolescentes, mas aí o objetivo é outro: entreter de forma mais superficial. Embora não admire muito, deixo as pedras para os livros de autoajuda. Sim, eu atiro pedras.
A Vanessa, esta "fugitiva temporária" que vai para a Irlanda e que me seduziu me trazendo até aqui, propôs a criação de um espaço onde discutíssemos e refletíssemos estes aspectos editoriais, dos porquês de uma literatura dar certo ou não. Alguma coisa ela já citou no artigo dela onde ela relatou alguns pensamentos meus sobre as impressões leigas do que faz de um livro atraente. Falei da capa, da qualidade do papel, da diagramação, das fontes, da contracapa, das orelhas e, claro, nada disso teria serventia sem um bom autor. Este é um "adorno" importante, pois acaba complementando a arte da escrita com a arte editorial. Um livro pode ser bom e bonito, e acho isto ótimo. Mas dificilmente um livro bonito e vazio irá me atrair. O conteúdo vem em primeiro lugar, mas valorizo, sim, a forma em que este conteúdo é veiculado. É arte, também; faz parte, também. Confesso que os chamados "livros de bolso" sempre me atraíram pouco. Entre comprar um Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago, em uma bela e cuidadosa encadernação ou em uma edição de bolso, confesso que a forma me cativa. Compro a boa e bela encadernação. Gosto do livro de papel, gosto de admirá-lo. Além disso, adoro sublinhar, anotar, refletir por escrito, também. Se o livro é materialmente mais bonito, acho que fica mais bonito refletir. (rs...) São impressões minhas, subjetivas, mas eu noto, ao observar as pessoas nos meus passeios às livrarias, que isto conta, sim. Conta nos livros, nos CDs, nos DVDs, nos LPs etc. Aliar a qualidade literária à qualidade editorial (e aqui me refiro à beleza plástica), são atrativos que tem um valor considerável, sendo a base verdadeira o conteúdo. Não falo de luxo, mas de bom gosto.
Pego os livros que quero namorar, me sento, peço um café, pego também alguns CDs e outros itens. Namoro calmamente, leio as contracapas e orelhas, folheio, aprecio as capas, vejo a biografia do autor, quando disponível, admiro o todo, leio trechos, penso muito e daí acabo por separar os "eleitos" do dia. Passo no caixa, pago e saio. Levo as aquisições na mão, em uma sacola (e agora tenho aderido às sacolas de pano, que são ótimas!). Como num ritual antigo, chego em casa, pego um por um, dato e escrevo meu nome, como quem marca um gado, e começo a leitura, via de regra, à noite.
Onde entra o Ivan que escreve? Bem, para mim uma coisa sempre puxou a outra. Ler me inspira a escrever e por consequência escrever me faz buscar mais conhecimento em boas leituras. Sou um "saramagomaníaco", órfão recente, mas ainda há tanto pra se ler, dele e de tantos outros autores. Me perco na imensidão do que tenho vontade de ler, mas me perco como quem se perde em Veneza, num delicioso labirinto belo e cheio de riquezas que me fazem olhar, no fundo, para mim mesmo. Escrever, para mim, é catarse, é imersão. Leitura também é, e é busca, mas busca madura, e não busca fácil. O assunto é inesgotável. Volto numa próxima quarta enquanto vou também lendo e comentando. Até lá devo ter lido algo mais, visto algo mais, comentado algo mais, me tornado algo mais. Até lá a Vanessa já estará nos lendo lá da Irlanda.
PS:
Vanessa, não se esqueça de tomar algumas pint Guinness por mim, ok? Enjoy your time! Que este um ano seja muito bom pra você. E, mais uma vez, obrigado por ter me convidado para estar aqui, obrigado a você e a todos aqui. Have a nice trip.