sábado, 18 de setembro de 2010

Primeiro, era a falta.

Amanhecia e era denso. No céu, apesar da fuligem da madrugada, os primeiros raios surgiam a fórceps pela largura das nuvens. A previsão não era de um dia bonito, nem de um dia feio. Mais um dia e só, como havia sido ontem e provavelmente depois e depois de amanhã. O importante era o minuto, ela sabia. Primeiro, o instante de constatar que o relógio tocava e ela ainda não tinha morrido, o que era um fardo cotidiano. Depois, vencer a água apitando no fogo, o café e o pão com manteiga, o ferro deixando vinco na roupa de trabalho, o pulso buscando a bolsa deixada no banco da cozinha. Então, os passos em direção ao ponto de ônibus, o bom-dia para o motorista, o barulho da catraca girando, a pressão do sangue sobre as pernas no trajeto, uma hora em pé, a comida do almoço, o trabalho na mesa, e assim, tic e tac, sucessivamente, até a redentora hora de dormir para quem sabe nunca mais.

Ela nem imaginava de onde vinha aquela ausência, uma lacuna que se abriu dentro do rasgo do peito quando era menina e nunca mais fechou, nem com as lágrimas de anos, nem com o avançar do tempo na maturidade. A dor resolveu viver ali, dormir ajeitada nos cachos do cabelo que lhe alcançavam as costas, bonita que era em seus trinta e poucos. Não se lembrava de ter sonhos e nem pesadelos, nunca tinha febre e nem saúde de ferro, não gostava de batom vermelho nem cor-de-rosa, não preferia a chuva ao sol (nem vice-e-versa). Viver era seguir em frente e repousar a respiração concentradamente no colo para, quem sabe assim, evitar que as bordas do buraco se expandissem para um não-ser maior.

Mas aquela manhã agitava-se diferente. Nada declarado pelo mundo em altos brados, mas a impressão que se insinua no modo como o vento toca o rosto na hora de abrir a porta da frente. Foi assim, quase com carinho, que a rajada da manhã interceptou o último bocejo quando ela destacava o pé para fora. Sem notar qualquer poesia, seguiu em frente. Na esquina, antes que pudesse adivinhar com qualquer dos cinco (sete, vinte) sentidos, uma figura destacou-se na rua. Era homem e usava chapéu, apesar da incongruência com os dias atuais. Olhos de castanho claro, duas avelãs, e boca vermelho-maçã. O rosto, marcado talvez pela varíola, tinha a aspereza da casca da goiaba e o cabelo, que escapava aqui e acolá na ladeira da cabeça, era mais amarelo do que um pedaço de pêssego tenro. O homem era todo feito de fruta.

O instante virou ventania, assoprou um turbilhão de reviravolta. A saia rodopiou num xote sobre a cintura, os pés bailaram como se fosse palco e um cheiro de jasmim atrevido empertigou-se nas narinas. Tudo pululava, tudo era pandemia. Ela não sabia se era o coração que retumbava no peito ou uma aurora bêbada que rachava a madrugada sonolenta sobre as pálpebras. Em solavancos, a alma aquecia e exigia, com esforço, cada teia da vida. Quando mais o homem se aproximava, já assim, poucos centímetros adiante, mais o ar faltava aos pulmões, mais os lábios separavam-se para dar espaço ao rugido mudo. Até o momento em que se cruzaram. Ela, tonteada pelo que não se explica, parou a meio palmo. Ele, um pouco a frente, virou-se e com um gesto gentil (tão gentil que quase obsceno), e lhe deu um...

- como vai?

Naquele instante, sem maiores explicações, o buraco fechou como se tivesse zíper. Ela lembrou do sonho da noite, algo com castelos. Sentiu a febre arder nas têmporas. Cismou que gostava da chuva. Quis um batom bem vermelho. Amou o dia. Já não importavam as sequências, os minutos. Mas quando deu por si, nada do homem, nada de cheiro, nada de sombra, nada de fruta. Desesperada, colou cambaleante ladeira abaixo. Onde estava? Quem era e por que era? Nada.

Ainda perguntou pela vizinhança, por acaso o pessoal da padaria tinha visto um homem alto e magro com chapéu? Não. No ponto de ônibus? Não. Aquela senhora na janela, teria visto? Não. O casal de enamorados na esquina? Não. A mãe que levava o rebento ao colégio? Também não. Ele foi. Ou não foi pra nunca mais.

E desde então foi a procura.

Sem buraco, só a dor.

Agora, a busca.


* Imagem: Madonna, de Eduard Munch

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mais que Mil Palavras...

As palavras não descrevem os sonhos e mesmo que o fizessem, jamais poderiam expressar aquilo que uma imagem evoca a cada um. Que partes são tocadas, que sentimentos são despertados, que vontades emergem. Molhar o pé descalço nas águas frias? Pisar a terra forrada de folhas? Sentir o aroma de uma torta de maçãs assando? O calor da lareira, o perfume da terra?
Só a alma sabe, só ela sente. Passeiem na imagem, viajem, sonhem e deixem a alma trazer o melhor de vocês à consciência.
Todos precisamos de poesia, e a Natureza sabe tão bem disso!

Grande beijo a todos.

sábado, 11 de setembro de 2010

Quem me ensinou a voar...

Eu não era uma menina de muitas palavras, mas brigava feito o demônio. Ele não era um menino de muitas ações, mas imaginava que era o diabo. Vivíamos na distância que impõe a pré-puberdade, a atração irrestrita do outro e a repulsa em acreditar na maturidade repentina do corpo (que vai tomando formas onde nem se imagina).  
Tom (um nome pequeno e melancólico) era novo na vizinhança. Disso eu sabia e era só. A primeira vez que nos encontramos (numa tarde de sol teimoso, que nunca ia embora), ele me pediu para guardar um segredo. Baixou o corpo até o meu ouvido (eu nasci desprovida de altura, ele era imenso feito uma montanha, armadilhas da genética) e disse baixinho:
“eu sei voar”. 
E eu ri, ri como se fosse inevitável desconfiar. Ri uma gargalhada tão alta que ele corou no meio da praça e, indignado, rodou sobre os pés e foi embora. Fiquei quinze dias sem pousar os olhos nele, mas esperei com pressa. 
Depois, numa manhã um pouco azul, um pouco amarela, ele surgiu na ponta da rua. Andava tão desengonçado que parecia tropeçar no ar. Meu coração pulou. Ele foi chegando no meio da garotada, olhando em semi-círculos de timidez, e me chamou de lado.  
“Acredita hoje?”, me perguntou.  
“Só se você mostrar”, respondi, com medo de fazê-lo desaparecer mais uma vez.  
“Então vem comigo”.  
E eu fui. 
Atrás da igreja da cidade, protegidos pela sombra de uma jabuticabeira, ele pegou na minha mão.  
“Quer ver como se voa?”.  
“Quero, mas duvido”.  
“Fecha os olhos”.  
“Se você me zoar eu te bato” (eu era mesmo danada de brava). 
“Fecha os olhos”.  
Eu obedeci e ganhei o meu primeiro beijo na boca. A impressão que eu tinha, naquele instante daquele dia longínquo naquele pequeno território da minha infância, é de que o mundo acabaria na nuvem que se formava sob meus pés. Tom sabia voar, e me ensinou. 
Nunca mais nos beijamos, não assim, nem quando eu aprendi que meu ventre queimava, nem quando parti da cidade em busca do meu porto no Rio de Janeiro, nem nos meus fortuitos retornos à terra natal, mas trocamos segredos a vida inteira, as sensações, os espaços, os desavisos dos dias. Ele cresceu bonito, foi ganhar São Paulo, virou poeta. Hoje, casado e pai de uma garotinha ruiva, me liga toda semana para contar suas novas invenções. É meu melhor amigo, foi meu primeiro amor.  
Depois de tantos homens, tantas histórias, tantos enredos, ainda acho que ninguém me contou tão bem uma façanha. E eu nunca mais voei tão bonito.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TCHAU, TATÁ!

Esta semana nos despedimos de uma companheira querida que por 14 anos dividiu conosco alegrias, sonhos, tristezas, frustrações, mudanças e tudo mais que compôs nosso dia-a-dia. Alguns momentos magníficos e outros péssimos foram relatados a ela, que sempre nos ouvia com carinho, paciência e solidariedade, demonstrando seu apoio com lambidas carinhosas ou uma patinha sobre nossas mãos. Pois é, a Tatá era nossa colega canina que, patriota, decidiu mudar para o outro lado em pleno sete de setembro, nos deixando com uma tristeza branda na alma. Até nesse momento ela foi como sempre era: discreta e tranqüila, nos poupando de vê-la agonizar e sofrer. Conforme escrevo este texto penso no quanto esta criaturinha que falava conosco através do olhar contribuiu para nossa felicidade.

Ela chegou com pouco mais de dois meses, irressitível em seu casaco de manchas brancas e pretas, olhinhos castanhos, jeito sapeca e simplesmente, ficou. Não sei quem a deixou em nosso portão, mas sou muito agradecida a este desconhecido pelo presente que nos deu. Seu nome veio do desenho da Cinderela, pois assim como o ratinho Tatá, era gordinha, comilona e cheia de graça. Simpática, brincava com todo mundo e tinha um fraco pelo jardim, que até pouco antes de adoecer, cavava com vigor, até ficar com metade do corpo enfiado na terra escura. Avessa a banhos, fazia corpo duro cada vez que via sua colega entrar em um, sabendo que seria a próxima da fila.
Este anjo canino cresceu com meus filhos e ouviu deles segredos da infância e da adolescência, conheceu amigos, namorados, paqueras e ajudou a colar corações quebrados e desiludidos, sempre com carinho e benevolência. Nunca nos negou conforto, carinho ou companhia, assim como nunca negou ao carteiro, ao guarda-noturno e ao lixeiro veementes latidos de protesto.
Era uma amiga e se foi. E amigos, quando se vão, deixam espaços vazios que jamais podem ser ocupados por outros amigos; eles têm lugar cativo, espaço reservado, poltrona numerada.
Fiquei vários minutos acenando para o carro que veio buscá-la, parada em frente ao portão no dia cinza e gelado, pensando que a tristeza é sempre de quem fica e torcendo, de todo o coração, para que exista mesmo um céu dos cachorros, porque se ele for real, Tatá já havia garantido, em vida, um lindo jardim para esburacar, muitos carteiros para emplicar e uma pilha de ossos para roer.

RIP Tatá, a gente ama você!

*Sei que fugi do assunto do blog e espero que me perdoem por isso, porém entendo que escrever é apenas uma representação gráfica do sentir e que sem ele de nada vale qualquer texto...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Na livraria...

Nada como, num dia qualquer e com tempo disponível, sair e ter o prazer de ir a uma livraria ou mesmo a um bom "sebo". Melhor ainda se a livraria em questão for do tipo que eu chamo de "multiuso", ou seja, aquelas em que encontramos não só livros, mas também CDs, DVDs, LPs (sim, eles voltaram!), um café aconchegante lá no canto, sofás, gente interessante e interessada em boas conversas. Para mim uma livraria "multiuso" sempre foi, sempre será, um "parque de diversões". É algo a se deliciar com calma, percorrer as estantes prediletas, olhar os lançamentos, novas publicações, novos e velhos autores, separar o joio do trigo. Sim, é preciso. Embora um espaço cultural, nem sempre o que encontramos nas prateleiras é exatamente algo que possa ser denominado cultura. Bem, mas hoje é minha primeira quarta feira, vou tentar deixar minha veia irônica um pouco de lado, ou ao menos tentar.

Cresci em um ambiente totalmente propício para gostar de leitura, de música, de conversa. Minha casa sempre teve inúmeros livros dos mais diversos estilos, que demonstravam a busca de meus pais pela cultura, mas também pela compreensão do incompreensível. E antes que me perguntem, não, nunca encontraram a resposta. Nem tampouco eu. Mas encontrei e continuo encontrando muito prazer na leitura diversificada. Os pontos de interrogação, que povoam a vida e a existência, penso, são a própria existência. Também havia na minha casa muitos LPs daqueles bolachões antigos, vinis pesados. Muita música clássica, MPB e jazz. Na medida em que fui crescendo e adolescendo fui não só descobrindo do que gostava mais, aprimorando o gosto, como também descobrindo coisas novas. O rock chegou na pré-adolescência, mas considero que de forma muito seletiva. Na antiga casa dos meus avós maternos e de duas tias, havia também a presença de um piano e um violão. Os ambientes ajudam a nos formar.

O paralelo que faço entre a descrição inicial da livraria, um ou vários passeios à livraria, e a minha casa da infância, bem como a casa dos meus avós paternos, é pela semelhança na disponibilidade de acesso à leitura, à musica, à boa conversa, ao café, às pessoas com conteúdo. Minha casa de hoje continua repleta de livros, CDs, LPs, DVDs e até algumas fitas cassete remanescentes. Aos poucos vou as convertendo para CDs. É puro prazer e não há necessidade que seja algo mais, mesmo me considerando um "eclético seletivo".

Tornei-me Engenheiro Civil, mas já dei bons esbarrões em outras áreas, tendo, por simples gosto, estudado idiomas e, por dois anos, Psicanálise. Meus primeiros escritos são antigos, mas não sei precisar com exatidão. Tenho certeza de que na adolescência eu já tentava fazer letras de músicas, já que tinha minha banda, já tocava bateria e arranhava um pouco de violão. Hoje em dia me considero baterista amador, e continuo arranhando violão. Já me aventurei pelo piano, mas o máximo que faço é tirar melodias básicas, especialmente com a mão direita e em dó maior, na maior parte das vezes, o que simplifica o fato de não ter que utilizar as "temidas" teclas pretas dos bemóis e sustenidos. Instrumentos também são diversão para mim, brinquedos de hoje em dia.

De volta à livraria, entro com olhar atento. Logo de cara me deparo com lançamentos e já me atiro às prateleiras com um olhar curioso e crítico, tentando entender o que fez cada livro e cada autor chegar ali, em lugar tão privilegiado. Competência, sem dúvida, mas há a competência da escrita e a competência do marketing. Ótimo quando ambas se encontram, mas em muitos casos só vejo a competência do marketing aliado ao oportunismo do poder de fisgar leitores em busca da leitura fácil e superficial, de livros onde está escrito o que o lado frágil e desamparado das pessoas busca. Autoajuda e afins, oportunistas surfistinhas, aquelas e aqueles que usam túmulos como degraus e tantas outras coisas que, de alguma forma, "contaminam" aquele ambiente que eu gostaria que não fosse assim. Mas acaba tendo um lado interessante esta observação. Vejo pessoas ávidas a folhear de forma inquieta, amedrontada e esperançosa as mais "novas" criações no mundo da autoajuda. Quando olho as pessoas que têm em mãos estas obras, vejo a busca humana pelo preenchimento do desamparo natural humano, em busca da "salvação fácil", de "fórmulas milagrosas" dos "segredos" contidos. Em contraponto faço a observação dos outros leitores, aqueles que empunham com naturalidade e serenidade livros da boa literatura, como um bom Saramago, Pessoa, Chico Buarque, Machado de Assis, Florbela Espanca, Garcia Marquez e tantos outros. Estas pessoas olham para estes livros, que virão a ler ou já leram, como quem olha pra dentro de si, como quem olha com profundidade tanto o mundo quanto os seres humanos. São pensantes, de uma inquietude mais serena. A turma lá da autoajuda busca nos livros exatamente o oposto, o que vem de fora e vem "de graça". Livros de autoajuda, costumo ironizar, e concordo comigo totalmente, realmente são de autoajuda: ajudam a seus autores. Há melhor definição, então. Sim, são autoajuda e levam fortuna a muitos oportunistas. Dificilmente um bom escritor, de literatura de verdade, alcança a fortuna fácil (suja?) dos livros de autoajuda. Não posso me esquecer, também, dos oportunismos da literatura superficial dos novos vampiros, dos mágicos adolescentes, mas aí o objetivo é outro: entreter de forma mais superficial. Embora não admire muito, deixo as pedras para os livros de autoajuda. Sim, eu atiro pedras.

A Vanessa, esta "fugitiva temporária" que vai para a Irlanda e que me seduziu me trazendo até aqui, propôs a criação de um espaço onde discutíssemos e refletíssemos estes aspectos editoriais, dos porquês de uma literatura dar certo ou não. Alguma coisa ela já citou no artigo dela onde ela relatou alguns pensamentos meus sobre as impressões leigas do que faz de um livro atraente. Falei da capa, da qualidade do papel, da diagramação, das fontes, da contracapa, das orelhas e, claro, nada disso teria serventia sem um bom autor. Este é um "adorno" importante, pois acaba complementando a arte da escrita com a arte editorial. Um livro pode ser bom e bonito, e acho isto ótimo. Mas dificilmente um livro bonito e vazio irá me atrair. O conteúdo vem em primeiro lugar, mas valorizo, sim, a forma em que este conteúdo é veiculado. É arte, também; faz parte, também. Confesso que os chamados "livros de bolso" sempre me atraíram pouco. Entre comprar um Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago, em uma bela e cuidadosa encadernação ou em uma edição de bolso, confesso que a forma me cativa. Compro a boa e bela encadernação. Gosto do livro de papel, gosto de admirá-lo. Além disso, adoro sublinhar, anotar, refletir por escrito, também. Se o livro é materialmente mais bonito, acho que fica mais bonito refletir. (rs...) São impressões minhas, subjetivas, mas eu noto, ao observar as pessoas nos meus passeios às livrarias, que isto conta, sim. Conta nos livros, nos CDs, nos DVDs, nos LPs etc. Aliar a qualidade literária à qualidade editorial (e aqui me refiro à beleza plástica), são atrativos que tem um valor considerável, sendo a base verdadeira o conteúdo. Não falo de luxo, mas de bom gosto.

Pego os livros que quero namorar, me sento, peço um café, pego também alguns CDs e outros itens. Namoro calmamente, leio as contracapas e orelhas, folheio, aprecio as capas, vejo a biografia do autor, quando disponível, admiro o todo, leio trechos, penso muito e daí acabo por separar os "eleitos" do dia. Passo no caixa, pago e saio. Levo as aquisições na mão, em uma sacola (e agora tenho aderido às sacolas de pano, que são ótimas!). Como num ritual antigo, chego em casa, pego um por um, dato e escrevo meu nome, como quem marca um gado, e começo a leitura, via de regra, à noite.

Onde entra o Ivan que escreve? Bem, para mim uma coisa sempre puxou a outra. Ler me inspira a escrever e por consequência escrever me faz buscar mais conhecimento em boas leituras. Sou um "saramagomaníaco", órfão recente, mas ainda há tanto pra se ler, dele e de tantos outros autores. Me perco na imensidão do que tenho vontade de ler, mas me perco como quem se perde em Veneza, num delicioso labirinto belo e cheio de riquezas que me fazem olhar, no fundo, para mim mesmo. Escrever, para mim, é catarse, é imersão. Leitura também é, e é busca, mas busca madura, e não busca fácil. O assunto é inesgotável. Volto numa próxima quarta enquanto vou também lendo e comentando. Até lá devo ter lido algo mais, visto algo mais, comentado algo mais, me tornado algo mais. Até lá a Vanessa já estará nos lendo lá da Irlanda.

PS:
Vanessa, não se esqueça de tomar algumas pint Guinness por mim, ok? Enjoy your time! Que este um ano seja muito bom pra você. E, mais uma vez, obrigado por ter me convidado para estar aqui, obrigado a você e a todos aqui. Have a nice trip.

sábado, 4 de setembro de 2010

Cá estou eu, mais uma vez atrasada.

Sábado, quase madrugada. Como a desculpa mais gostosa para a minha consciência culpada, vou me lembrar que é nela, alta noite, que moram os amantes. Façamo-nos, pois, destes. O blog, ah, o blog, a alcova! (Tô perdoada? *risos)

Pois bem. Hoje eu estava lendo uma matéria sobre os textos colaborativos que estão surgindo graças ao ciberespaço (Jornal O Globo, Caderno Prosa & Verso, dia 04 de setembro), e me deu um nó na garganta.

Olha, eu sou bem da moderninha. Juro. Apesar de estar, no momento, monogâmica, não acredito que seja receita de felicidade para ninguém. Creio piamente que somos bissexuais, todos nós (que Freud esteja conosco - ele está no meio de nós!). Símbolos sagrados, para mim, são puras expressões culturais (e, como tais, merecem todo o meu respeito, mas não a minha devoção). No meu mundo, sexo é uma coisa, amor é outra, diferente e quase inalcançável. Drogas? Livres, por favor: "faça o que tu queres há de ser toda lei". Liberdade só tem um limite: o direito do outro de também ser livre, em cada possibilidade que a vida deu pra ele. Mas com meu texto? Ah, não! No meu texto não, violão!

Produção de literatura é íntimo demais, não dá para dividir. Ok, ok, vc pode produzir junto - as trocas de correspondências, por exemplo - mas vamos chamar isso de outra coisa. Aquilo que meu inconsciente projeta, que minha cabeça simboliza, que minha língua traduz, que meus dedos escrevem...ah, mano, aquilo é meu, só meu, egoistamente meu. Meu, meu, meu. Não venham esses tais dizer agora que isso tudo vai virar uma grande suruba das letras! Nãnãninãnão. Isso aqui é uma casa de família, oras pois. Humf.

...

Meu Deus! Virei uma reacionária!

...

:-/

Beijos e até sábado. Vou cortar a estrada para rever os meus na minha Sampa querida.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Algumas Palavras sobre a Profissão...

Oi, pessoal!

Meu nome é Laura e eu sou a autora das quintas.
Por ser meu primeiro post, vou fazer uma apresentação curtinha para vocês conhecerem um pouco de mim: sou escritora, tenho 50 anos, 35 livros, 2 filhos, 2 gatos e duas cachorras vira-latas se recusam a concordar que já têm idade suficiente para parar de esburacar o jardim. Como a Dani, também "deseduquei" meus sobrinhos antes de ser mãe, e acabei usando um pouco desta experiência "deseducativa" para deseducar meus filhos..rs.
Moro em Santo André - SP há quase oito anos e antes disso morei em vários outros estados, mas Santo André foi uma opção de coração. Gosto demais daqui, gosto demais do bairro onde moro e da vida tranquila desta cidade.

Como não sabia direito sobre o que escrever, acabei escolhendo falar um pouco do que eu aprendi nestes anos de carreira. Sei que ninguém é modelo para ninguém, mas vale sempre repartir um pouco da experiência que acumulamos. Afinal, conhecimento que a gente não reparte é feito livro na estante: só serve para criar poeira e teia de aranhas.
Então, vamos lá.

Quando um amigo me pediu para bater um papo com a Vane sobre o mundo editorial, confesso que fiquei na dúvida sobre o que dizer. Por experiência própria, sei como um livro – principalmente o primeiro – é importante para o autor, quanto carinho e expectativa colocamos nele. A menos que a pessoa queira publicar pela vaidade de fazê-lo, um livro carrega muito de quem o escreveu, expressa partes de sua alma, de seus valores, de seu sentir. E como dizer a uma jovem poetisa, cujos olhos se enchem de estrelas ao fitar o mundo, que para concretizar seus sonhos, precisaria também concretizar seus passos?

Depois que respondi à Vanessa, fiquei com um peso no coração, imaginando que talvez tivesse sido concreta demais em minhas palavras, mas ela soube filtrar e entender o que eu quis lhe dizer. Foi desta conversa que nasceu o convite para um encontro e dele, a idéia deste blog.
Nestes anos na profissão de escritora aprendi muito sobre coisas que não estão escritas em lugar nenhum e ao contrário de um colega famoso, penso que algumas dicas são importantes para facilitar a caminhada.
E a primeira delas e a mais importante é: tire as estrelas dos olhos e coloque os pés no chão. Sonhe, mas não se iluda. Projete seu sucesso e seu crescimento, mas tenha em mente que não há saltos, há caminhos e que tudo é fruto de um trabalho bem feito, às vezes mais interno que externo. Errar faz parte do processo de acertar, então se algo não acontecer como você queria, aproveite a experiência e “toque em frente” como diz o pessoal.
Mais algumas coisas que vale a pena saber:

- Ninguém é um produto acabado e a escrita melhora com a prática, portanto escreva muito, leia muito, perceba muito.
- Ouça opiniões, mas coloque um filtro no ouvido para saber quando o que estão lhe dizendo é válido e merece atenção.
- Não veja seu livro como algo intocável, até porque ele não é. Editoras mexem nos textos, mudam títulos, mudam sequências. Faz parte do trabalho.
- Normalmente o escritor não tem visão comercial, não conhece dos truques editoriais e ignora processos de distribuição e venda de livros. Informe-se, isso é importante. Saiba como funciona o mercado editorial, leia sobre o assunto. Você nunca sabe quando, em uma entrevista, vão lhe perguntar sobre isso. E não é legal ficar com “cara de parede” diante do entrevistador..rs.
- Seu livro precisa vender e para vender tem que ter apelo. Para ter apelo, tem que haver publicidade e se você está começando, prepare-se para fazer isso você mesmo. Divulgue seu trabalho, bote “pilha” nas coisas! Não espere cair do céu, vá atrás. Utilize a internet para contatos, crie blogs, abra uma comunidade no orkut, coloque seu livro no Skoob, crie grupos, converse com as pessoas, crie parcerias, visite livrarias. Dedique-se de corpo e alma à sua profissão.
Lembre-se, estamos no Brasil, país cujo total da produção literária é menor que a produção literária de apenas UMA editora alemã. Para se firmar neste mercado, você tem que mostrar a que veio sem perder, obviamente, a naturalidade.
- Outra outra coisa fundamental, isso para quem tem livros em livrarias, é papear com os vendedores. No final das contas, são estas pessoas, mais do que quaisquer outras, que vendem seu livro. Fale com elas sempre que possível, explique sobre a história do livro, enfim, seja agradável e por favor, baixe a bola! Ninguém é obrigado a conhecer você ou a achá-lo um Einstein da literatura só porque publicou um livro! A maior queixa do pessoal das livrarias – de todas – é o ego dos escritores.
Não vou mentir e dizer que viver de literatura é “sopa” aqui no Brasil, mas é possível sim e depende muito do autor e do quanto ele está comprometido a pagar o preço desta viagem. E pagar o preço inclui ter que mexer no livro, entender que vai se tornar uma pessoa pública até certo ponto e que, portanto, precisa ter paciência e disponibilidade, ser simpático, atender aos leitores com carinho, não se deixar levar por elogios ou críticas, mas se manter fiel à inspiração.
E gente, o mais importante de tudo: vamos parar com essa coisa de que arte e dinheiro não combinam! No final do mês, todo mundo precisa pagar as contas, não é?
Concretude, lembram?
Beijos!