domingo, 31 de outubro de 2010

Coisas bonitas


Minha avó me pediu que eu escrevesse sobre “coisas bonitas”, como “a Ana Maria Braga em seu programa”. (Espero que ela não esteja falando de quando esta se vestiu de Madonna). Ora, acaso não escrevo “coisas bonitas”?
Reli, então, minhas crônicas mais antigas e vi que, realmente, não falei das coisas bonitas: era só Lula, Sarney, o Jabba, o império todo. O George Lucas vai querer me cobrar direitos autorais... Pensei então em falar sobre mulheres, roubar uns versos do Vinícius, mas a Fabi, minha esposa, disse que plágio é crime... Então, não vi outra saída senão falar de poesia. A massa inculta que me aguente.
Yves Bonnefoy. Conheci-o por meio de Tolentino. Inicialmente em sua “Imitação...”. Depois, em suas entrevistas. Achei-o muito bom, de um verso intenso, forte; mais até do que o próprio Tolentino, por quem tenho profunda admiração. Mas isso não quer dizer que um seja melhor que o outro.
Bonnefoy nasceu na França em 1923, estudou matemática e filosofia. Leu Valéry, Rimbaud, Mallarmé, especialmente Baudelaire, sobre o qual fundamentou seu curso de mestrado. Conheceu o surrealismo na arte e na poesia, frequentando o grupo de Breton e fundando com alguns amigos a revista “La Révolucion La Nuit”. A partir daí, firmou sua originalidade poética, concedendo novos rumos à poesia francesa.
Sua poesia é marcada por uma busca incessante do “lugar verdadeiro” (e aqui podemos ver a influência que exerceu em Tolentino), do reencontro da unidade, não sem aceitar a limitação, a finitude e a morte como o barqueiro que conduz à simplicidade manifestada no ser. Enfim, um grande poeta.
Uns dos poemas seus, embora o conheça há pouco tempo, que mais gosto é o intitulado “A espuma, o arrecife”. E também “O poço”, “A neve”, que acho muito singela, e “A murta”, que transcrevo abaixo:

Por vezes te sabia a terra, eu bebia
Em teus lábios a angústia das nascentes
Quando brota das pedras quentes, e o verão
Dominava alto a pedra airosa e quem bebia.

Por vezes te dizia de murta e queimávamos
Árvore de teus gestos todos todo um dia.
Eram fogaréus breves de uma luz vestal.
Assim eu te inventava em teus cabelos claros.

Todo um nulo verão secara-nos os sonhos,
Tolhera a voz, inchara os corpos, quebrara os
                                [ferros.
Por vezes ia rodando o leito, barca livre
Que ganha lentamente o mais alto cio mar.

Mas o leitor aí do fundo não está muito contente com isto. Ouço-o balbuciar algo como Leminsky, Arnaldo, Russo, Cazuza, Caetano... É um senhor. Parece irritado. Dou de ombros. E penso que se ele não gosta de mim, sua filha deve gostar.
De qualquer modo, tomo lições com aqueles, pra mode ser mais isperto. E enquanto eles me transmitem sua experiença, à minha TV passa um documentário sobre a vida de Hitler.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Do outro lado da língua



O teclado era meu amigo fiel de todos os dias, com o humor de acordo com minha vontade a qualquer hora. Meu teclado me acompanhava até mesmo nas madrugadas em claro, quando eu resolvia deixar para dormir durante o clarear da vida. Ele tornou-se meu melhor amigo, talvez um filho, uma máquina que eu abraçava com amor e guardava bem próxima ao meu travesseiro. Tudo era circular até eu resolver transformar minha morada e mudar de país. Deixei esse amor da vida e parti sozinha por um período de adaptação longe do plano virtual.

Minha vida passou a ter mais caminhada e menos cadeiras para sentar, na Irlanda. Em algumas horas de sobra, eu ganhava minutos para a nostalgia da web. Foi quando percebi que a qualidade do tempo com a palavras tornou-se risível. Perdi também pontos, acentos, cedilha. Para poder manter meus textos em um blog sobre a língua portuguesa, resolvi esquecer dos erros e dar vantagem à publicação do conteúdo.

Talvez, a mesma forma encontrada para a sobrevivência entre a língua estrangeira (que é meu caso nesse país de língua inglesa, com todos os erros, sem preposições, com ordens invertidas ou sotaques de todo o mundo), assim também meu texto em português consiga ser entendido pelo contexto. Lembro-me da preocupação com a perfeição das palavras!

Agora, finamente estou tentando acertar as duas línguas em um novo teclado, adquirido após a experiência da saudade de casa, das palavras, das redes infinitas da Internet. Meu pequeno novo companheiro, daqui deste lado do Oceano, talvez trará textos incertos como este, pensamentos duvidosos, creio que me salvará de certo emburrecimento com a distância total do idioma do Brasil. Agora, sinto-me mais completa e acolhida por estar mais perto dos brasileiros, e quem sabe, talvez seja a hora de abrir uma porta para a comunicação com todo o mundo.

Estou de volta com mais intensidade neste blog a partir deste dia que ganhei meu novo amigo de 10.1”.

domingo, 24 de outubro de 2010

“Minha pátria é minha língua”

Creio nunca ter declarado minha paixão pela língua portuguesa. Faço-o agora nestes tempos de reforma.
Desde minha época de colegial fui inclinado às letras. Sentia, sem consciência disso, um prazer em escrever, em criar. Da mesma maneira que tenho prazer em sentir em minhas mãos um livro (tema para uma próxima crônica), tenho em manusear as palavras, buscá-las, tratá-las e fazer com que exalem sensações que arrebatem o leitor, se tanto posso.
Esse prazer não se resume ao ato da criação, mas também ao da leitura, inda que não inserido numa dissertação ou história. Como assim? Gosto da palavra pura, apartada de um contexto. Gosto de vê-la em sua simples construção e formação, especialmente as mais antigas.
Por exemplo: gosto da palavra escrita na era medieval “anarante”, que significa “ignorante”. Acho-a mais prática, por assim dizer. “Chanto” por “pranto”. Nessa mesma linha de praticidade, as palavras cujo “g” mudo foi suprimido (coisa muito e voga na era renascentista, veja Os Lusíadas), como, por exemplo, “dino” em lugar de “digno”; ou aquelas cujo prefixo “sub” era substituído, a desejo do autor, pelo “so” em palavras como “subjugado”, ficando “sojugado” (tendo também a variação “sojuzgado”), “submeter”, tornando-se “someter”, e assim por diante.
Agradam-me as conjugações arcaicas, especialmente a do verbo “ser” no presente do indicativo: eu “soo”, ou “sejo”, ou “son” (como “m” ou “n”); tu “sês”; ele “sê” (daí o imperativo “sê” da segunda pessoa do singular). Ou a do verbo “estar” do presente do subjuntivo: tu “estês”, ele “estê”. Ou a do verbo “impedir” do indicativo: eu “impido”; e as do subjuntivo: eu “impida”, tu “impidas”, e por aí vai.
Aprazam-me ainda os termos (e digo isto sabendo que meu conhecimento acerca da língua portuguesa arcaica é totalmente baseada em pesquisas que fiz ao longo das minhas leituras de manuscritos encontrados na internet e de livros cuja grafia teve-se o decoro de manter-se, para o meu deleite), me aprazam ainda os termos com acréscimos de vogais, como por exemplo “alevantar” ou “escuitar”; e ainda os de inversão, como “tromento” e “prefeito”(que significava “perfeito”, já que este era “perfecto”, da mesma forma que “aspecto” era “aspeito”).
Gosto das abreviações que se fazia, segundo minhas pesquisas, na época renascentista. Por exemplo: “que”, redigido “q”; “quẽ”, na maioria das vezes escrito “q” com um til em cima; “ũa”, a mais famosa; e outras palavras cujos emes ou enes eram substituídos pelo til, qual “ẽblema”. Tudo para facilitar o processo de impressão de livros, o qual na época era feito à mão. E gosto ainda das escritas sem o “h” inicial, como “omen”, ou “ome”, ou “omẽ”, “ora” (significando “hora”). Ou as com o “h”: “húmido” (que até antes da reforma era presente na ortografia de Portugal). E ainda as com o “c”, “b” ou “p” mudos, sendo muitas ainda existentes hoje: “sancto”, “subtil” (que era às vezes “sotil” e não sei se até recentemente vigente em Portugal), “concepto”, que se encaixa na regra do parágrafo anterior. Tais abreviações eram aceitas por todos à época, uma vez que não havia um registro formal da fala, isto é, uma gramática.
Também acho interessantes as proparoxítonas, as paroxítonas terminadas em ditongo crescente (e às vezes as dos hiatos “i” e “u” [digo às vezes por acreditar que tal acentuação fosse optativa]) e as oxítonas terminadas em “-em” não acentuadas (tudo ainda vigente no século passado).
O que me encanta, no fundo, de modo geral, é a liberdade, que promoveu a mudança da língua até os dias de hoje, que se pode ter ao falá-la e mesmo ao escrevê-la, a beleza que ela, e a praticidade, e a necessidade propiciam aos nossos ouvidos e olhos.
Desse modo, não deixo de achar no mínimo estimulante essa reforma ortográfica recente.
Gostei parcialmente da alteração na regra do hífen e achei interessante a exclusão dos acentos nos ditongos “ee” e “oo”. O que me leva a pensar que talvez devesse-se minorar os acentos, facilitando a regra, deixando-se de acentuar as proparoxítonas e as paroxítonas. Seria confuso? Nos acostumaríamos. E ainda alterar-se as concordâncias verbais e nominais, facilitando-as. E talvez a regra dos porquês, adequando-a à da acentuação.
Ouvi falar que queria-se unir os termos “por isso” e “de repente”, ficando “porisso” e “derrepente”. Não sei se seria interessante, ou mesmo bonito, mas vale a liberdade de que falei. E fico pensando que nessa mesma linha de raciocínio serviria “assinquê”, “paraquê”, enfim. Mas, idem.
A língua portuguesa irá mudar muito ainda; e acredito que um dia ela morrerá, como já dissera Pessoa: será estudada como base da língua derivada dela, inda que tendo absorvido outras línguas, considerada por muitos como mais bonita ou requintada, falada por uma pequena minoria culta e por fim (ou “porfim”) será morta.
Mas não importa: enquanto ela durar, com suas mudanças, sua evolução, será bela e eterna. Desculpe Vinícius. Ou eu o desculpo.

domingo, 17 de outubro de 2010

Um incentivo à vida

Escrevi um livro de mentiras. Publiquei-o.
Na noite de autógrafos, uma senhora se aproximou de mim, com meu livro em mãos, e perguntou-me: “Que razão você me dá pra eu comprar este livro?”.
Eu não sabia o que arrazoar. Ela continuou: “Porque já que este livro é uma mentira, qual a razão para eu comprá-lo?”.
Então lhe disse: “Não há razão por que comprá-lo”. Ela pareceu aliviada, mas duvidosa. “Porque não há razão na vida”.
Ela, naturalmente, atarantou-se. Não com a madureza infesta com que lhe redargui, mas com a imponência poética da mesma.
Deu-me o livro que o autografasse e, colocando-o debaixo do braço, conferiu lugar ao próximo leitor.

sábado, 16 de outubro de 2010

A delícia do desigual...

Eu sempre me espanto com a beleza da feiúra. Ainda agora, visitando um poeta e, por acaso, topando com seu rosto, o olho um tanto caído, um nariz desfigurado, a boca pequena demais, me vi pensando: puta cara lindo! E era feio, evidentemente feio, despudoradamente feio. Feio sem pedir permissão.

Já me disseram que isso é alguma tentativa de salvar a minha alma (também feia) ou resignar os meus complexos (também feios) de não ser exatamente bonita (mas nem feia!). Talvez. Não ter traços e formas perfeitas nunca me causou grande desconforto. Melhor: causou desconforto naquela época da adolescência em que a amiga loira é sempre a cortejada pelos fortões do fundo da sala. Passada a fase da castração do louvor próprio, nós, mulheres imperfeitas, descobrimos que um movimento com a mão, uma frase bem empregada, um olhar derretido, uma ou duas tiradas sacanas vencem qualquer atributo divino impregnado no DNA da tal amiga. No final das contas, entendemos que elas eram bem das chatinhas e eles, os garanhões, uns babacas de marca maior. Por isso, ou pela dialética do meu papo doce e pérfido, eu nunca estive sozinha.

Abusando da Martinidade (salve a Vila, salve ele, salve Martinho!), eu já tive homens de todas as cores, várias idades e muitos amores. E feios (se vc foi meu amor, entrou no blog e ficou ofendido, desculpe. Provavelmente não estou falando de vc). Os bonitos - e houve alguns lindos - não conseguiram me matar de paixão. Pelos perfeitos, de testa retinha, boca desenhada e corpos com divisões claras entre os músculos, não chorei uma semana. Pelos que não se enquadravam, os vesgos, caolhos, de andar cambaleante, óculos grossos e algum desaviso, eu quis morrer, cortar os pulsos.

Pode ser coincidência, claro que pode, mas acho mesmo que é uma opção do olhar. Meu desejo vem no frêmito da imperfeição. E só Deus (e os meus suores) sabem da malemolência das paixões de rodapé. O cantinho mais escuro - e onírico - do desajuste me interessa mais do que a mesa bem posta e a luz direta. A via de contramão é sempre (um) melhor caminho. E os homens que não sorriem com dentes perfeitos, aiai, mordem como ninguém.


* moço do meus encantos: vc é o único que conjuga a perfeição de um deus com a virulência do meu espanto em carne, osso e líquidos, viu? :-)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

“Impressoes do tempo que muda em segundos”

Resposta `a viagem insolita de Ivan

Em certo momento, encontrei-me adulta numa vida solitaria, vontades pareciam dificuldades para serem minha luta, sem interesse alheio. Pensei estar sozinha, mesmo entre amigos, no trabalho de realizar. As situacoes duras e frias me mostravam apenas uma escuridao para encontrar meu caminho.... pensei que os trabalhos em equipe fossem apenas brincadeiras de crianca de um passado ilusorio. Foi enquanto eu comecava uma jornada cega. Mesmo assim, continuei ate o fim ja sabendo que o prazer viria no primeiro sinal de vitoria...

A vitoria foi encontrar pessoas dispostas a estarem juntas, nao apenas para a realizacao de sonhos, mas para uma vida em conjunto, para dividir os ingredientes, o momento de cozinhar e o sabor da comida. Saudei quando descobri que o problema anterior era meu relogio interno que estava des-regulado numa cidade que nao via o tempo passar, e que eu havia me deixado levar pela ilusao da sensacao do tempo.

Aproveitando melhor a vida onde dizem que nao se leva nada embora, sobra tempo para viver pequenas companhias, como a cor do reflexo da rua, o som da agua do quintal, o canto de raros passarinhos ou o sabor delicioso daquilo que nao se gosta na hora da fome. Se parar o tempo, tudo parece melhor para saborear. Aqui morre um ponto de vista para dar lugar `a mais uma experiencia de vida.

Blog-se

Nao sei bem se ‘e efeito das cidades ou do tempo, mas alguns buscam a perfeicao do outro. Alguns acreditam que ‘e preciso criticar e falar sobre o que acontece no mundo (inclusive essa ‘e a minha profissao: o jornalismo). Comentar a transicao talvez seja a necessidade de documentar a evolucao e no futuro dizer que assim fomos n’os. Blogs estao ai para serem testados da melhor ou pior maneira e com certeza ‘e uma boa quando se encontra algo de qualidade, “ja valeu a pena passar por tantos ruins”. ‘E como acontece tambem com as situacoes da vida!

Acredito que fazer arte pacifica o homem, logo, imagino que o poder desabafar deixa o mundo mais informado e tambem mais tranquilo. A informacao dos blogs chegara ao cansaco.... como o dia do juizo final, os blogs ganharao uma definicao, um resultado e finalmente o porque de ser.

domingo, 10 de outubro de 2010

Livros, se lê-los por que não tê-los?

Talvez o leitor esteja cansado de me ouvir falar de livros. Mas peço a sua paciência. Este escritor está cansado de falar do Lula. E os livros têm sido (e são) uma de suas boas companhias.
Diferentemente de outras pessoas, não sou chegado a baladas, danceterias, bares noturnos que tocam pagode e coisas afins. Sou pacato, caseiro. Gosto de passar um fim-de-semana junto à família e aos amigos. Gosto da reunião.
Entretanto, há “baladas” que gosto, como por exemplo ir a uma livraria, mesmo que não vá comprar nada. Gosto de ver os livros, conhecer as novidades, as edições de obras antigas. Uma mais bela do que a outra. Como por exemplo a edição da Dom Quixote do famoso livro de Cervantes ilustrado pelo Dalí. Uma beleza!
Gosto de lê-los, se possível. Não os leio por inteiro, como se pode fazer nalgumas livrarias. Sentar-se numa poltrona e ler durante horas a fio. Beber café, comer pão-de-queijo... Dá uma sensação de liberdade, de que o mundo é um lugar tranquilo e gostoso de se viver. Mas os leio, os degusto como posso e como quero.
Em São Paulo há algumas livrarias que permitem leitura sem compra, por assim dizer. Conheço a Livraria Cultura e a Fnac, que possuem um acervo excelente além de tudo.
Porém, não entendo por que algumas livrarias não aceitam que seus clientes tomem dos livros e os leiam em seu interior. Acredito que seja por que dessa forma os clientes lerão o que desejarem sem precisar desembolsar um centavo e, assim, a lógica capitalista não se fará. É o mais óbvio e talvez único motivo.
Mas acho que elas se equivocam. Pois, para quem gosta de ler, possuir o livro é mais do que uma vontade: é uma necessidade, quase um vício, uma certeza de que o conhecimento e assim momentos de prazer e paz estarão sempre ao seu alcance.
Outro prazer que tenho, e acredito que qualquer fã de livros também o tenha, é folheá-los, senti-los em minha mão. Mas não sou tarado, fique tranquilo. E isso não só com as edições luxuosas, alvos da cobiça, mas, e principalmente, eu diria, com as edições velhas, antigas, desgastadas, carcomidas, até, pelo tempo. Gosto especialmente dessas, que só encontramos em sebos, claro.
Tenho um prazer imenso em folhear um livro antigo, de páginas de cortes irregulares, amareladas pelo pai de Zeus, cheirando a sarrafo, com ácaros e tudo. O problema é a minha rinite. Mas.
Aqui em casa tenho alguns exemplares assim.
Por exemplo, a primeira edição das “Obras completas” de Camões com prefácio e notas de Hernâni Cidade divididas em cinco volumes, editadas pela Livraria Sá da Costa Editora. No primeiro, encontram-se as redondilhas e os sonetos do poeta; no segundo, as odes, as elegias e outros gêneros líricos considerados maiores; no terceiro, os autos e as cartas; no quarto e no quinto, Os Lusíadas. Uma edição ótima, pois além de ser antiga (fico devendo a data da publicação, por não tê-la encontrado) mantém ainda, mesmo que parcamente, a grafia da época.
Outro exemplar antigo, amarelecido, consumido pelo tempo, é a quinta edição de “Rubáiyát”, de Omar Kháyyám, poeta, matemático e astrônomo persa, editada pela Livraria José Olympio Editora, datada de 1944. Além dessa, possuo a primeira edição do “Teatro de Gil Vicente”, uma antologia da Portugália Editora, datada de 1959 e apresentada por António José Saraiva. Nesta a grafia da época é ainda mais abundante. Para mim, um mar onde posso mergulhar de cabeça.
Tenho também a segunda edição de “Aparição”, de Vergílio Ferreira, também pela Portugália, datada de 1960. E de 1951, a primeira edição do Clube do Livro da “Vênus de Bronze” do Merimée. Ambas atacam minha rinite. Fazer o quê. E uma não tão acabada assim, apesar de ser a mais antiga, data de 1941, é a terceira edição de “Amadis de Gaula”, traduzida por Rodrigues Lapa e editada pela Lisboa.
Gosto dessas edições, muito embora nem sempre aprecie o conteúdo delas, que é o caso aqui do poeta persa.
Mas não importa, tenho um enorme prazer em folhear um livro antigo, senti-lo em minhas mãos (repito: não sou tarado) e lê-lo com o maior prazer do mundo.

sábado, 9 de outubro de 2010

Oi, pessoal. Voltei. Com a barriga cortada por uma cirurgia de emergência, mas ainda assim inteira. Bom, quase inteira, que 100% nunca fui. Já nasci trincada...*risos*. Agora, ao texto! Beijos e boa semana.

Declarações


É uma segunda-feira de um sol indecente. O Rio de Janeiro continua vasto demais, cheio de esquinas e subterfúgios. Ainda vou odiar essa cidade, escreva aí no teu diário das minhas invenções, escreva, anote.

Meu corpo silva a tua falta. A lâmina da saudade corta nacos da minha carne: minha boca, meu dorso, meus pés, meus seios. Meus eixos. O apartamento vazio faz brotar um dragão vermelho e cheiros de urros e labaredas que vão tomando conta do meu desespero e que se controla com doses vulgares do que fomos, do que estamos, do que não fazemos a menor idéia (e nunca sei se essa é a melhor parte ou se é o que me deságua). Ele me co-habita, o dragão, e assiste comigo os filmes que não vimos juntos e os livros que não compartilhamos. E se ajeita no sofá, me morde as têmporas e queima meu tempo. É um bom dragão e adormece enquanto eu conto a nossa história cristalina, límpida e de final infeliz. Mas ele não chora porque diz que as lágrimas secariam como cera e formariam um dossel encantado, e nenhum encantamento merece a aflição dos meus dias sem você.

Sou sempre viúva, visto negro. Mas não tenho medo algum da solidão, veja você que avanço. Converso com cada um dos homens que tive, com cada um dos que terei, e lamento com eles que teu nome esteja tatuado em mim de maneira tão devassa, impudica. Todo rastro é lastro quando teu nome é o meio e nenhuma dor jamais será tão digna dessa cor vermelha, vermelha escaldante. "Minhas páginas estão marcadas, dear, se você quiser será assim", eu direi, e um ou outro tresloucado vai aceitar essa troca pouco justa e vai ter meus afetos com uma profundidade que não. E ele vai acreditar, e vai se entregar, e vai assentir, e vai renegar, e vai retrair, vai se machucar, e vai indagar. E vai me odiar. E eu vou te amar ainda mais em cada possibilidade com outro som, outro gemido, outro toque, outro corpo. Você é eterno e eu que defino o tamanho da minha vastidão. Eu. Mais ninguém. E nisso, cherry, nem você apita.

Não, não, eu não serei uma daquelas pessoas que tomam café com creme sozinhas no cinema enquanto esperam a sessão. Tampouco serei uma moça de cabelos molhados que mais olha para o chão do que para os outros entre estantes de uma livraria. Também não vou ter ares de pequena loucura, olhos fundos deitados sobre um livro, uma folha branca sendo preenchida enquanto um copo é esvaziado em algum restaurante quase chique da zona sul (tão digno de mim que indigna de tudo!). E nem me imagine como uma distinta senhora de cabelos brancos e óculos de aros vermelhos a dourar a pílula da vida alheia - sublimando os desejos que nascerão entre as minhas vírgulas - quando chegar a tarde dos meus anos todos. Não tenho fôlego para viver assim, aos poucos, pela tangente, você sabe. Vou seguir o roteiro que eu tão bem tracei, vou vestir a personagem e seguir bailando: mãos na cintura, olhares lascivos, risadas largas e tiradas de humor dúbio. Eu, elas e eles, todos. Porque eu sou mesmo muito boa em fazer amor, amigos e macarrão instantâneos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Viagem insólita

Quarta feira. Minha vez de saraucultiar. Então vamos lá! Andei lendo aqui os textos e visitando blogs que enriquecem e fazem valer a pena o tempo e a navegação. Navegar é preciso, viver não é preciso, como já nos disse o poeta. E na imprecisão do viver, vejo alguns blogs e artigos e livros que, como já disse na minha primeira postagem, me fazem pensar em almas cheias de lacunas (todas as têm, claro), mas das enormes, vazios que mostram, às vezes, a "simples", que é na verdade complexa, necessidade humana de falar. Vejo letrados atirando pedras nestes blogs de gostos discutíveis onde só há desabafo e nenhuma tentativa de ir além do umbigo. Será que eu saí do meu? E é profundo! A necessidade humana de ser reconhecido, ouvido, aceito, compreendido tem feito dos blogs um meio de desabafo. Há quem o faça buscando um meio artístico, mas há quem o faça com os recursos que tem, sem a arte, apenas pintando o sete, o oito, o nove.

Blogs são divãs (o meu é d'Ivan, ok?) onde o analista não é um só, são muitos, alguns conhecidos, outros desconhecidos, alguns preparados para lidar com o exposto, outros não. É uma exposição buscada, sem dúvida, mas é preciso preparo para quem escreve e para quem lê. Não é tudo que nos agrada, mas também não é tudo o que escrevemos que agrada aos demais. Penso bastante nisto! De certa forma dou continuidade ao tema da minha outra postagem, onde falei da ida à livraria. Toda arte é via de mão dupla. Se não for, não é útil. E nem sempre é, ou nem sempre pra todo mundo. O que é bom ou ruim? Tenho meus conceitos e convicções e os sigo metodicamente, mas sem menosprezar (ou sem tentar menosprezar) os gostos duvidosos (às vezes muitíssimos duvidosos) dos "artistas"... Permitam-me as aspas, não consigo fugir da acidez da ironia.

Meio de semana, três canecas de chope alemão depois, algumas salsichas de vitela com ervas, coisa deliciosa. Arte da culinária, arte da degustação. Mas e pra quem não come carne ou não toma cerveja, haverá alguma "arte" nisto? Haverá algum prazer?

Prazeres ou a ausência deles são de foro íntimo. A busca por ele é constante e frenética. Porque um suposto deus nos teria criado com desejos se tivéssemos que refreá-los? Há uma grande contradição entre os pregadores religiosos (hipócritas?) e a real natureza humana. O prazer e o pecado são invenção de controle, úteis às igrejas, aos meios de comunicação e à conciliação de ambos. Pecado! O que seria isto? O peso de consciência de cada um tem sua medida. Livros sagrados, padres, pastores, rabinos, gurus tentam definir o que é certo e errado. Só consigo enxergar uma coisa plausível: onde termina meu limite e onde começa o do vizinho e o quanto posso ou não fazer uma intersecção com este limite. Há de haver concessão. Daí bom e ruim, bem e mal, virtude e pecado caem todos, conceitos fracos que são, pelo solo argiloso e ardiloso da teoria da relatividade.

E = m . c²

Sim, estou divagando e deixando fluir a livre associação tão cultuada na psicanálise. Nossa mente não nos leva de um lugar a outro por mero acaso. O acaso existe onde achamos haver destino e o destino inexiste (e é puro acaso) onde achamos haver determinismo. Este mundo é mesmo contraditório. Talvez esteja aí um pouco do seu tempero. Que seria de deus sem o demônio? De que nos teria que salvar? Não precisaríamos de um deus. A luz não faz sentido sem as trevas. O que haveria de a luz iluminar se não houvesse trevas? Maniqueísmos que predominam no inconsciente individual e/ou coletivo.

E meu blog, é bom ou ruim? Há todo um degradê. A questão, penso, pelo menos é o que penso neste momento... A questão está em saber em que região deste degradê, em que ponto entre os extremos maniqueístas está a fórmula mais adequada a cada tempo. O que foi bom antes pode já não ser mais. O que foi ruim antes agora pode ser "Cult". Mentes complicadas que mentem até para nós mesmos.

Esta postagem é apenas uma viagem, pegando carona na viagem postada pela Vanessa, sobre o que nos faz viajar e o que nos faz ver qualidades ou defeitos para nos fazer viajar, flutuar, criar, viver, ousar. Lanço interrogações e nem quero ousar respondê-las... Ficam aí a flutuar. É bom que venham respostas, tentativas de respostas, concordantes ou discordantes, e mais interrogações, até, pois é o que nos faz pensar, avançar, ser, viver até morrer. Morrer? Que é morrer? Fica para uma nova viagem em uma outra quarta feira. Enquanto isto, na medida do que der, vou lendo, vou escrevendo, vou ouvindo novas e velhas músicas, vou amando e odiando, vou tentando ser mais, ainda que às vezes sinta ser menos. Vou me permitindo ser coerência e contradição e tudo o que houver entre isto. Até outra quarta.

Pintura:
Jangada de Mèduse - Théodore Géricault

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que te faz viajar?

Ao ver um filme, `as vezes, comeco a pensar que estranho 'e o efeito que ele realiza, de me fazer criar. O pensamento se liberta para um espaco novo, mistura-se, meu roteiro toma o lugar do autor. Comeco a mudar em velocidade e possibilidades a minha vida por alguns instantes.

Um dia, na plat'eia de um bal'e, a orquestra toca ao vivo. Nao 'e apenas a emocao, de arrepiar. 'E o prazer do pensamento que acorda como um formigueiro na mente, tendo visoes e querendo ser a arte no dia a dia. Dou conta da loucura que 'e a vida e das delicias que nos fazem represent'a-la, recri'a-la ou provoc'a-la. J'a passa do tempo de acordar e, caneta e papel sao os elos para inspiracoes. 'E como estar adormecido e acordar cedo, perceber que 'e possivel viver diferente. 'E pensar que aquela ideia 'e obvia e querer fazer parte daquela hist'oria. Ou ainda querer interagir com novas e proprias versoes.

Ao experimentar a arte, essa sensacao 'e extasiante, e eu jamais soube se este 'e o motivo de as pessoas estarem na sala do cinema ou do bal'e etc. Acredito que sim, pois 'e o motivo de eu voltar. Mas quando sou surpreendida e me pego viajando com algum artista, sinto a vida l'udica ao consumir boas producoes de livros, filmes, dancas e cancoes.

Deixo aqui a questao sobre o que te faz viajar!?

domingo, 3 de outubro de 2010

ATENÇÃO: Ler é prejudicial à saúde!

Pesquisas comprovam que o indivíduo que lê, aprecia a boa arte, tem a mente ativa, geralmente morre mais cedo do que a média, é mais estressado que a maioria da gente e, consequentemente, mais infeliz.
Eu sou um cara extremamente preocupado com minha saúde; e não desejo ir pro inferno bater um papo com Dante assim tão cedo, apesar de a idéia de voar às costas de Gérion não seja lá algo tão desinteressante... Imaginem: ser carregado por Efialtes!...
De qualquer forma, essas pesquisas me preocuparam, pois, como todos sabem, gosto de dar uma folheadinha nas páginas de um livro qualquer, mas que me interesse, e ver obras de umas mulheres, nuas ou quase, e às vezes até sem olhos, de vez em quando. Agora, depois que soube dessas pesquisas, meu coração acelerou mais do que o normal. Fui ao médico, e ele me disse: "Respire... Diga trinta e três... É, não tem jeito: a única coisa a fazer é dançar um tango argentino...". Nesse momento, pude mesmo ouvir uma voz (como aquela de Zeus gritando "Evoé!") em minha cabeça, que me disse: "Vai, Rodrigo, quem mandou ser gauche na vida".
Eu não mandei, tenho certeza. Mas se souber quem mandou...
Não que eu vá esmurrá-lo ou coisa parecida; mas o porei, lá no inferno, na vala do Lula e do Paulo Coelho. Isto é, se o Belzebu deixar, claro.
Estou num mato sem cachorro, meus amigos. Vejo-me condenado ao estresse, à infelicidade. Pensei em deixar a pena de lado e me dedicar a qualquer outra coisa; vender meus livros do Machado e comprar uns outros de auto-ajuda (agora entendo porque muitos dizem que os psicólogos são matéria morta...); deixar de ir ao MASP, à Pinacoteca, e ir mais à palestras sobre saúde mental.
Mas é difícil, pois quando não é a minha Musa, que me vem toda sensual, ui!, chamando-me pelo diminutivo, é o Van Gogh que me vem mostrar o quarto dele.
É... acho que só me resta mesmo dançar um tango argentino.
Que assim seja, então.
Evoé!