sábado, 16 de outubro de 2010

A delícia do desigual...

Eu sempre me espanto com a beleza da feiúra. Ainda agora, visitando um poeta e, por acaso, topando com seu rosto, o olho um tanto caído, um nariz desfigurado, a boca pequena demais, me vi pensando: puta cara lindo! E era feio, evidentemente feio, despudoradamente feio. Feio sem pedir permissão.

Já me disseram que isso é alguma tentativa de salvar a minha alma (também feia) ou resignar os meus complexos (também feios) de não ser exatamente bonita (mas nem feia!). Talvez. Não ter traços e formas perfeitas nunca me causou grande desconforto. Melhor: causou desconforto naquela época da adolescência em que a amiga loira é sempre a cortejada pelos fortões do fundo da sala. Passada a fase da castração do louvor próprio, nós, mulheres imperfeitas, descobrimos que um movimento com a mão, uma frase bem empregada, um olhar derretido, uma ou duas tiradas sacanas vencem qualquer atributo divino impregnado no DNA da tal amiga. No final das contas, entendemos que elas eram bem das chatinhas e eles, os garanhões, uns babacas de marca maior. Por isso, ou pela dialética do meu papo doce e pérfido, eu nunca estive sozinha.

Abusando da Martinidade (salve a Vila, salve ele, salve Martinho!), eu já tive homens de todas as cores, várias idades e muitos amores. E feios (se vc foi meu amor, entrou no blog e ficou ofendido, desculpe. Provavelmente não estou falando de vc). Os bonitos - e houve alguns lindos - não conseguiram me matar de paixão. Pelos perfeitos, de testa retinha, boca desenhada e corpos com divisões claras entre os músculos, não chorei uma semana. Pelos que não se enquadravam, os vesgos, caolhos, de andar cambaleante, óculos grossos e algum desaviso, eu quis morrer, cortar os pulsos.

Pode ser coincidência, claro que pode, mas acho mesmo que é uma opção do olhar. Meu desejo vem no frêmito da imperfeição. E só Deus (e os meus suores) sabem da malemolência das paixões de rodapé. O cantinho mais escuro - e onírico - do desajuste me interessa mais do que a mesa bem posta e a luz direta. A via de contramão é sempre (um) melhor caminho. E os homens que não sorriem com dentes perfeitos, aiai, mordem como ninguém.


* moço do meus encantos: vc é o único que conjuga a perfeição de um deus com a virulência do meu espanto em carne, osso e líquidos, viu? :-)

2 comentários:

  1. Há que se perscrutar a História da Feiura, do Umberto Eco, se não erro o título.
    Não obstante, deixo que, com relação a arte, o feio, o imperfeito, como costumo alcunhar, é na verdade o perfeito. E pode ser que fora dela também se dê o mesmo. Mas na arte, a forma como se faz interessa muito mais do que o que se faz. Sendo assim, uma mulher ou um homem feio ficará belo na arte. Basta ver os desenhos de Da Vinci. Corroborando, assim, o feio como uma importante beleza.
    Abraço,

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  2. Em falar em in'icio e final perfeito, consegui rir surpresa com vc. Maravilhosa! Beijos

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